DOENÇAS E PROCEDIMENTOS

CAPSULITE ADESIVA

INTRODUÇÃO

Capsulite adesiva, também conhecida como o ombro congelado, é uma doença relativamente comum que envolve a articulação escapuloumeral com dor e perda de movimento. Esta condição foi descrita inicialmente por Duplay no final do século XVIII, como uma periartrite escapuloumeral, englobava inúmeras doenças do ombro que cursavam com sintomas semelhantes de dor e rigidez. 1. Codman, em 1934, utilizou o termo ombro congelado para caracterizar o espasmo muscular e rigidez dolorosa de longa duração reconhecidos no ombro afetado. Ele enfatizou a dificuldade diagnóstica, de tratamento e de explicar sob o ponto de vista patológico2. Neviaser, usou o termo capsulite adesiva para descrever os achados histológicos de inflamação crônica com espessamento e fibrose da cápsula articular com aderências às estruturas circunvizinhas, provocando retração capsular3. Reeves e Grey em 1978 mostraram que a capsulite adesiva idiopática ou primária tem uma evolução autolimitada, com possível cura espontânea e duração média de um a dois anos. Esta doença evoluía em três fases: congelamento, estado congelado e descongelamento4,5,6,7. Zuckerman et al propuseram uma classificação relacionando a capsulite adesiva às causas intrínsecas e extrínsecas ao ombro e às doenças sistêmicas, como a diabetes mellitus ou doenças sistêmicas. Reuniram-se com a American Shoulder and Elbow Society (ASES) para propor uma definição aceita pela maioria dos cirurgiões. Este consenso atual é definido como ” uma condição de etiologia desconhecida caracterizada por restrição significativa da mobilidade ativa e passiva do ombro que ocorre na ausência de uma desordem intrínseca e conhecida do ombro8.  Apesar do grande número de pacientes afectados por esta condição, ainda é obscuro a nossa compreensão desta entidade clínica. O termo ombro congelado sempre foi utilizado no passado para descrever as doenças dolorosas do ombro que evoluíam com limitação funcional, tais como bursite e tendinite calcária, obviamente usado erroneamente e em demasia. Muitas afecções inflamatórias e degenerativas como tendinite calcária, lesão do manguito rotador, tenossinovite do bicipital e artrites podem levar a um quadro de ombro rígido e doloroso, causando limitação ativa da amplitude de movimento, mas não têm verdadeira contratura capsular e restrição passiva na amplitude de movimento, não devendo ser diagnosticada como capsulite adesiva. O diagnóstico preciso é essencial para definir o melhor tratamento para essas entidades distintas. Este equívoco e confusão sobre a definição e diagnóstico preciso da capsulite adesiva reflete nossa dificuldade em compreender a etiologia, diagnóstico e condução desta doença. O reconhecimento desta condição tem gradativamente progredido, com uma melhor utilização de recursos e abordagens não cirúrgicas, assim como o desenvolvimento de novos procedimentos cirúrgicos para o tratamento eficaz desta doença.

EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA

A Capsulite Adesiva é uma condição comum que é citada em muitos estudos, acometendo aproximadamente 2% a 5% da população geral9,10.  É mais comum nas mulheres com idade entre 40 e 60 anos, sem preferência pelo lado dominante, muitas vezes afetando o lado contralateral anos após o início dos sintomas no primeiro ombro em 10% na população geral e em 40% nos pacientes diabéticos insulino-dependentes. A etiologia e fisiopatologia da Capsulite Adesiva ainda não é bem compreendido. Estudos básicos na tentativa de esclarecer a patogénese de ombro congelado são limitados, mas o papel dos diversos fatores biológicos, estresse mecânico, e neovascularização, tem sido aceito pela maioria dos autores11. Os estudos originais de Nevasier e De Palma descrevem uma causa inflamatória crônica para explicar o aparecimento fibrose na CA Evidências mais recentes, principalmente em estudos artroscópicos apoiam como causa, o espessamento e contratura da cápsula inferior ao invés da aderência da recesso axilar12

Anatomicamente a doença inicia-se com a contratura do intervalo dos rotadores, espessamento do ligamento coracoumeral e cápsula anterior que restringe o movimento do ombro. Ozaki demonstrou que a liberação cirúrgica do ligamento coracoumeral  contraturado restaura a  rotação externa em pacientes com capsulite adesiva13 .Kim em 2008 realizou medições no intervalo rotador em ombros de pacientes com CA e observou diferença significativa em relação ao  lado não acometido14.Biópsias capsular e sinovial de pacientes com capsulite adesiva têm sugerido que as citocinas derivadas de plaquetas como fator de crescimento, interleucina 1-B, e um fator de necrose tumoral estão envolvidos na hiperplasia sinovial e fibrose capsular15 Foi observado aumento da neovascularização e uma forte imunocoloração de fator de crescimento endotelial vascular na sinóvia de ombros congelados em diabéticos, este factor de crescimento vascular endotelial pode desempenhar um papel importante na patogénese do ombro congelado16Exame histológico e imuno-histoquímico mostrou um tecido vascular composto por colágeno com alta celularidade, com fibroblastos e miofibroblastos. O processo fibroblástico ativo que ocorre na capsulite adesiva é semelhante à que ocorre na doença de Dupuytren17 Pacientes Diabéticos tem maior incidência em cursar com Capsulite Adesiva em 10% a 20% e em 36% em insulino-dependentes. A fundamentação bioquímica para a elevada incidência de ombro congelado em pacientes com diabetes não é comprovada. Acredita-se que a concentração excessiva de glicose em pacientes diabéticos pode levar a uma taxa mais rápida de glicosilação do colágeno e de ligação cruzada na cápsula do ombro, restringindo o movimento do ombro. Este colágeno de ligação cruzada pode também ser responsável pela maior incidência da Moléstia de  Dupuytren e dedo no gatilho em pacientes diabéticos, outra constatação é a hiperlipidemia apresentado em ambas as doenças, além de estar presente nas doenças cardiacas, alcoolismo e neurocirurgia com uso de fenobarbital18 Muitas outras doenças ocorrem concomitante com a Capsulite Adesiva como: doenças autoimunes, tireoidopatias, doenças degenerativas da coluna cervical, doenças pulmonares, doenças neoplásicas e doenças intrínsecas do ombro A história natural da CA tem sido caracterizada por muitos autores como uma doença auto limitada de resolução completa19, outros autores relatam dor residual a longo prazo e perda da mobilidade20 Existem três fases distintas originalmente descrito por Reeves em 1975. A doença começa na fase dolorosa ou congelamento, em que o paciente tem dor intensa, que geralmente se inicia à noite e persiste durante o dia aumentando progressivamente a dor e a rigidez. Pacientes tentam relatar o primeiro episodio da dor atribuindo a evento específico como um trauma simples. Tipicamente, a dor precede a restrição no movimento, mas em alguns casos, a perda de amplitude de movimento pode ser o primeiro sintoma. Reeves descreveu que esta fase pode durar entre 2 a 9 meses. A segunda fase de rigidez progressiva ou congelada, fase, esta em que a dor diminui gradualmente, mas continua com uma redução na amplitude de movimento. Esta fase pode durar de 3 a 12 meses. Finalmente, a recuperação ou descongelamento, fase que envolve a melhora espontânea e gradual da mobilidade e da função do ombro pode variar muito de 12 a 42 meses, com uma fase mais longa de congelação associada com uma fase mais longa de descongelação. A duração total da doença foi descrita por Reeves para durar 1-3,5 anos, com uma média de 30 meses, muitos autores, entretanto descreveram um grande número de pacientes com sintomas perasistentes até 10 anos após o início da doença. Lembrando que o diagnóstico deve ser feito por um médico capacitado.

CLASSIFICAÇÃO

 Capsulite adesiva é normalmente classificada como primária ou secundário. Os pacientes classificados como primária ou idiopática, são aqueles que através da história ou exame não se explica o aparecimento da doença. Estes casos podem estar relacionados com desequilíbrios imunológicos, bioquímicos ou hormonais. Capsulite adesiva secundária desenvolve a partir de causas conhecidas de rigidez e imobilidade, tal como trauma no ombro ou pós cirurgia, e pode representar uma condição totalmente diferente. A secundária pode ser classificadas como: Intrínsecas, quando desencadeadas por lesão do próprio ombro como lesão do manguito e bursites. Extrínsecas, quando associadas a lesões ou alterações distantes do ombro, como lesões na coluna cervical, fraturas do punho, cirurgias cardíacas. Sistêmicas quando associadas a doenças sistêmicas como diabetes e paratireoidismo. Matsen et al. definiram a síndrome como: uma limitação global idiopática da movimentação umeroescapular resultante de contratura e perda da elasticidade da cápsula da articulação glenoumeral.” A maioria dos ombros rígidos pós trauma ou doença específica ocorrem somente em determinadas posições não de uma maneira global como ocorre nos idiopáticos.

AVALIAÇÃO CLINICA

A maioria dos pacientes com capsulite adesiva só procuram assistência médica após semanas ou meses do início da dor e rigidez. Como o início da doença é geralmente gradual, os pacientes acometidos pela doença só buscarão ajuda quando suas atividades diárias se tornarem severamente limitadas. Os sintomas incluem dor de início insidioso desencadeada pelo movimento passivo do ombro, principalmente a noite, dificuldade de elevação do ombro para menos de 120° e de rotação externa para menos da metade do normal. A história e o exame físico são essenciais para a diferenciação entre o ombro rígido e doloroso capsulite adesiva propriamente dita. Com a evolução da doença poderá apresentar comprometimento da articulação escapulotorácia com mecanismo compensatório.

DIAGNÓSTICO POR IMAGEM

Capsulite adesiva é primariamente um diagnóstico clínico. Estudos radiográficos são usados para excluir outras causas de dor no ombro como tendinite calcária, processos neoplásicos, impacto, osteoartrose da articulação glenoumeral e acromioclavicular. O exame ultrassonográfico estático e dinâmico também tem sua utilidade no diagnóstico, identificando espessamento de ligamento, lesão do manguito e tendinopatias. Atualmente, a ressonância magnética e a artroressonância podem fornecer indicadores de imagem confiáveis ​​de capsulite adesiva, estes achados na ressonância magnética têm sido demonstrados e bem correlacionados com os achados cirúrgicos21 Estes achados são: espessamento do ligamento coracoumeral e cápsula articular no intervalo dos rotadores, espessamento capsular, e do recesso axilar  Apesar desses achados serem potencialmente úteis, a ressonância magnética e artroressonância não são inicialmente indicados para diagnosticar CA e só devem ser solicitados para avaliar outras doenças intra-articulares, tais como a lesão do manguito rotador ou início de dano condral.

TRATAMENTO CONSERVADOR

Mesmo considerando que a CA é uma doença autolimitada e de resolução espontânea na maioria dos casos principalmente nos idiopáticas. Temos que ter em mente que a dor intensa inicial e a longa duração de limitação funcional do ombro que muitas vezes inviabiliza uma atividade de vida diária normal. Nestes termos e considerando a possibilidade de sequelas residuais, faz-se necessário um tratamento de imediato e eficaz. Após o diagnóstico, muitas vezes postergado pela demora do paciente na procura de serviço médico ou pela dificuldade diagnóstica desta doença por ser de comprovação clínica e não por exames subsidiários, iniciamos com medidas de contenção da dor e mobilização precoce articular. A maioria dos pacientes responderão bem ao tratamento conservador, mas apesar de existirem várias opções de tratamento, alguns pacientes poderão apresentar dor e limitação de movimento por um longo prazo, independentemente da escolha da terapia.

Embora não haja nenhuma comprovação na literatura quanto a eficiência na utilização de fármacos anti-inflamatórios no tratamento da CA, eles são muitas vezes prescritos no início da doença para alívio da dor.  Corticosteroides orais (exceto em diabéticos) também podem ser prescritos e parece ser uma boa opção para melhorar da dor noturna e amplitude de movimento, outros demais fármacos podem ser utilizados para tratamento de dor crônica como a amitriptilina e antidepressivos. Os bloqueios anestésicos seriados do nervo supraescapular podem melhoram efetivamente o conforto do paciente e diminui a duração da doença22.

Programas domiciliares com acompanhamento de um fisioterapeuta têm-se mostrado mais eficiente quando comparado a protocolos sem assistência. Apoio psicológico e as vezes psiquiátrico devem ser estimulados para controle da ansiedade e melhor colaboração ao tratamento. Medidas alternativas como hidroterapia e acupuntura podem ser úteis.

TRATAMENTO CIRÚRGICO

O tratamento cirúrgico está indicado quando ocorre falha nas opções conservadoras e torna-se necessário uma melhora na função do ombro. Atualmente opta-se pelo método artroscópico por ser menos invasivo.

O planejamento cirúrgico vai depender das necessidades do paciente e das lesões associadas. nunca deve ser indicado na fase inflamatória da doença23. contudo essa indicação deve ser individualizada caso a caso  com a avaliçào de um médico capacitado5,6,7,8).

BIBLIOGRAFIA

  • Duplay, S. De la periarthrite scapulohumerale. Rev Frat D Trav De Med, p.5-226, 1896.
  • Codman EA, The shoulder: rupture of the supraspinatus tendon and other lesions in or about the subacromial bursa. Boston, MA; Thomas Todd Co, 1934.
  • Neviaser JS, Adhesive capsulitis of the shoulder: a study of the pathological findings in periarthritis of the shoulder. J Bone Joint Surg Am, v.27p.211-22, 1945.
  • Bowman CA, Jeffcoate WJ, Pattrick M, Doherty M. Bilateral adhesive capsulitis, oligoarthritis and proximal myopathy as presentatio of hypothyroidism. Br J Rheumatol, v. 27 p.62-4. 1988.
  • Boyle-Walker KL, Gabard DL, Bietsch E, Masek-VanArsdale DM, Robinson BL,. A profile of patients with adhesive capsulitis. J Hand Ther,v.10 p.:222-8, 1997.
  • Reeves, B. The natural history of the frozen shoulder syndrome Scand J Rheumatol. 4 p.93-6, 1975
  • Grey RG. The natural history of “idiopatic” frozen shoulder. J Bone Joint Surg Am, p. 60-564, 1978.
  • Zuckerman JD, Cuomo F, Rokito S, Definition and classification of frozen shoulder: a consensus approach. J Shoulder Elbow Surg. 3-S72. 9, 1994
  • Hand C, Clipsham K, Rees JL, Carr AJ, Long-term outcome of frozen shoulder. J Shoulder Elbow Surg; v.17p. 231-6, 2008  
  • Wolf JM, Green A, Influence of comorbidity on self-assessment instrument scores of patients with idiopathic adhesive capsulitis. J Bone Joint Surg Am, v.84 p.1167-73,2002.
  • Bunker TD, Anthony PP, The pathology of frozen shoulder. A Dupuytren-like disease, J Bone Joint Surg Br, v.7 p.677 83, 1995.
  • Wiley AM, Arthroscopic appearance of frozen shoulder. Arthroscopy; v.7 p.138-43.1991
  • Ozaki J, Nakagawa Y, Sakurai G, Tamai S. Recalcitrant chronic adhesive capsulitis of the shoulder. Role of contracture of the coracohumeral ligament and rotator interval in pathogenesis and treatment. J Bone Joint Surg Am v. 71p. 1511-5, 1989.
  • Kim KC, Rhee KJ, Shin HD. Adhesive capsulitis of the shoulder: dimensions of the rotator interval measured with magnetic resonance arthrography. J Shoulder Elbow Surg, v.18 p.437-42. doi:10.1016/j.jse.2008.10.018,
  • Rodeo SA, Hannafin JA, Tom J, Warren RF, Wickiewicz TL. Immunolocalization of cytokines and their receptors in adhesive capsulitis of the shoulder. J Orthop Res v. 15p. 427-36. doi:10.1002/ jor.1100150316, 1997.
  • Ryu JD, Kirpalani PA, Kim JM, Nam KH, Han CW, Han SH. Expression of vascular endothelial growth factor and angiogenesis in the diabetic frozen shoulder. J Shoulder Elbow Surg ,v.15p.679-85, 2006.
  • Bunker TD, Anthony PP. The pathology of frozen shoulder. A Dupuytren-like disease. J Bone Joint Surg Br v.77p.677-83, 1995.
  • Brownlee M, Cerami A, Vlassara H. Advanced glycosylation end products in tissue and the biochemical basis of diabetic complications. N Engl J Med v.318p. 1315-21,1988.
  • Miller MD, Wirth MA, Rockwood CA Jr. Thawing the frozen shoulder: the ‘‘patient’’ patient. Orthopedics v.19 p.849-53,1996.
  • Shaffer B, Tibone JE, Kerlan RK. Frozen shoulder. A long-term follow-up. J Bone Joint Surg Am;v.74p.738-46,1992.
  • Connell D, Padmanabhan R, Buchbinder R. Adhesive capsulitis: role of MR imaging in differential diagnosis. Eur Radiol;v.12p.2100-6. doi:10.1007/s00330-002-1349-7, 70,99,2002.
  • Checchia SL, Fregoneze M, Miyazaki AN et al. – Tratamento da capsulite adesiva com bloqueios seriados do nervo supra-escapular. Rev Bras Ortop, 2006;41:245-252.
  • Favejee MM, Hulsstede BM, Koes BW Frozen sholder: the effectiveness of conservative and surgical intervetions- sytematic review.Br J Sports Med.2011 jan;45(1):49-56.
Endereço

Av. Vereador José Diniz, 3457
Conj. 908 / 909 – Campo Belo
São Paulo – SP – CEP:04603-003

2024 | Dr. Nicola Archetti Netto CRMSP | CRM-SP 80005 | Todos os direitos reservados | Produzido por MHB

plugins premium WordPress