DOENÇAS E PROCEDIMENTOS

Artroplastia reversa do ombro: O que é seus resultados e complicações

Desde a primeira artroplastia do ombro realizada no ano de 1893, para substituição do úmero proximal causada por infecção por tuberculose, assistimos à muitos avanços nos desenhos dos implantes para a articulação do ombro, principalmente, nas duas últimas décadas.

Atualmente, esses implantes podem ser divididos em dois grandes grupos, os implantes anatômicos e os reversos.

Os anatômicos são utilizados, principalmente, quando existe bom estoque ósseo e tendões de boa qualidade no ombro,  podendo substituir o úmero proximal associado ou não a cavidade  glenoidal.

O outro grupo de implantes, são os chamados reversos, e indicados quando não existem tendões viáveis na articulação, mais frequentemente, na condição clínica chamada de artropatia do manguito rotador. Contudo, seu uso tem se expandido para outras condições, como revisões de artroplastias anatômicas, sequelas de fraturas e até mesmo fraturas cominutas do úmero proximal.

Essa modalidade de implante foi aperfeiçoado na França, na década de 80, por Paul Grammont e abriu um novo capítulo para as artroplastias do ombro, ampliando sua indicação em situações clínicas em que a prótese parcial ou total tinham mal resultado ou eram contraindicadas. O seu princípio biomecânico, consiste em medializar o centro de rotação do ombro tensionando o músculo deltóide, de forma que, o paciente possa elevar o membro às custas do desse músculo, sem o auxilio do manguito rotador, fazendo apóio do úmero em um implante hemisférico parafusado na glenóide.

Houve um aumento do número de indicações de artroplastia após a introdução do modelo reverso nos últimos 20 anos. Nos Estados Unidos, após a aprovação do modelo reverso pelo FDA, o número de artroplastias totais do ombro aumentou de 5000 no ano de 1992 para 25000 no ano de 2008, outros estudos, projetam o crescimento do número de artroplastias do ombro de 192 a 332% em 2015 com relação a 20071,2.

Isso é reflexo de várias séries de casos que demonstram excelentes resultados clínicos e funcionais com o uso da artroplastia reversa, contudo altas taxas de complicação são relatadas nesse procedimento, assim é necessário além de um boa programação pré-operatória, uma criteriosa indicação para que essas complicações sejam evitadas.

Fig 1- Artroplastia total anatômica do ombro, usada quando existe principalmente manguito rotador íntegro do ombro.
Figura 2- Artroplastia reversa do ombro utilizada quando principalmente o manguito rotador não está presente.

RESULTADO CLÍNICOS DA ARTROPLASTIA REVERSA

A artroplastia reversa é inegavelmente um dos grandes avanços na cirurgia do ombro nos últimos anos, levando a resultados clínicos animadores.

Vários  fatores podem influenciar o resultado da artroplastia reversa do ombro, esses, podem ser relacionados à indicação para cirurgia, características do implante, a técnica cirúrgica e via de acesso, reabilitação pós operatória entre outras, assim, a avaliação dos resultados na literatura é bastante heterogênea, pois é sujeita aos diversos fatores como os acima descritos.

Neste contexto, realizando a análise crítica dos trabalhos disponíveis na literatura médica, encontramos várias séries de casos, que utilizam  desfechos diferentes, dificultando a comparação dos resultados.

Samitier et al em 2015, realizaram uma revisão sistemática com o objetivo de avaliar os resultados funcionais da artroplastia reversa, em relação ao tipo de implante (com centro de rotação medializado ou lateralizado) (Figura1), tipo de via de acesso e indicação para o tratamento cirúrgico.

Os principais resultados foram que utilizando ambos os tipos de implantes, os pacientes obtiveram uma considerável melhora na função do membro, contudo as artroplastias com centro de rotação lateralizado apresentaram melhores resultados em relação ao dor e a rotação lateral.

Além disso, demonstraram que os resultados dependeram da indicação cirúrgica, isso é,  quando a artroplastia era indicada para revisão de prótese anatômica ou falhas de reparo de lesão do manguito rotador ou seqüelas de fraturas, obtiveram resultados inferiores às indicações por artropatia do manguito rotador. A taxa geral de satisfação dos pacientes foi de 90% para ambos os tipos de prótese e para todas as indicações de cirurgia3.

Uma outra revisão sistemática foi realizada por Khan et al, sobre o mesmo tema, incluindo estudos com indicações cirúrgicas devido a artropatia do manguito, lesões irreparáveis do manguito rotador e artrite reumatóide, relataram resultados divergentes em relação ao estudo anterior provavelmente pela avaliação de casos que foram submetidos a um único tipo de implante (DeltaÒ) e estudos realizados até o ano de 20104.

Samitier et al, em sua revisão sistemática, apontaram para um melhor resultado em relação ao ganho de rotação lateral nas próteses com lateralização do centro de rotação em relação às medializadas, o que deve ser visto com cautela, pois não existem artigos comparando diretamente os dois tipos de implantes o que torna esse resultado pouco confiável do ponto de vista metodológico3.

Vários outros fatores podem influenciar os resultados da artroplastia reversa como: a experiência do cirurgião, diferentes protocolos de reabilitação, tipo e tamanho da glenosfera (concêntrica ou excêtrica), localização da glenosfera (inferior, antevertida, retrovertida), grau de substituição gordurosa do redondo menor, estoque ósseo, tensão do deltóide, status do subescapular, angulação da osteotomia do úmero, e cirurgias prévias .

Em relação a via de acesso cirúrgica, não é possível determinar até o momento, qual a via de acesso relacionada com os melhores resultados funcionais da artroplastia reversa, novos estudos são necessários para elucidação desse fator3,4.

Já o arco de movimento, como citado anteriormente, os implantes com centro de rotação lateralizado, apresentaram melhor ganho de rotação lateral, a exemplo de outros autores como Boileau, Grammont e Baulot,  que já postularam uma teoria que isso é devido ao impacto posterior do polietileno que ocorre nas prótese com centro de rotação medializado, associado a menor força do deltóide posterior no auxilio da rotação lateral5,6.

Outro fator que influencia o ganho de rotação lateral, é o status do redondo menor que não é avaliado na maioria dos trabalhos e é fundamental do ponto de vista funcional.

Quanto a indicação cirúrgica, os melhores resultados funcionais são nos pacientes submetidos a cirurgia devido a artropatia do manguito, quando comparados outras indicações como, revisão de prótese anatômica, falhas no reparo do manguito e sequela de fraturas. Contudo, não foi possível determinar que tipo de cirurgia prévia a artroplastia reversa tem relação com os piores resultados, durante a revisão sistemática, devido a heterogeneidade de fatores avaliados em cada estudo3.

Uma outra condição clínica que a indicação da artroplastia reversa vem crescendo, é na fratura do úmero proximal em pacientes com grave osteoporose e disfunção do manguito rotador. Poucas séries clínicas comparam a artroplastia parcial e a reversa para fratura e não há nenhum estudo prospectivo randomizado até o momento.

Os estudos disponíveis são controversos em relação aos resultados da artroplastia reversa e da artroplastia parcial, Young et al não encontraram diferenças significativas entre pacientes submetidos a artroplastia parcial e reversa, contrapondo a esses achados Gallinet et al, demonstraram melhores resultados em relação a escala Constant a favor da artroplastia reversa7,8.

Vários estudos apontam para o papel crucial da consolidação do tubérculo maior nas artroplastias parciais, sendo que quando isso não ocorre o resultado funcional é muito ruim. A artroplastia reversa por sua vez devido a sua biomecânica, pode apresentar resultados funcionais melhores em relação a parcial, contudo a fixação e consolidação dos tubérculos também é um fator associado a melhora funcional na artroplastia reversa 9.

Longo et al em 2016 realizaram uma revisão sistemática do uso da artroplastia reversa e seus resultados nas fraturas do úmero proximal em 259 pacientes provenientes de 10 estudos , concluiu que é uma opção viável para pacientes com osteoporose associado a disfunção do manguito, mas até o momento não pode ser traçado nenhuma conclusão devido a qualidade dos estudos envolvidos, deve ser considerado o impacto econômico devido ao custo do implante nessa decisão10.

COMPLICAÇÕES

As complicações mais freqüentes são a luxação, o “scapular notching”, complicações relacionadas ao implante glenoidal como soltura e dissociação, fraturas do úmero, glenóide e acrômio.

De uma maneira geral, variam entre 15 a 50% dos casos, esta grande diferença é proveniente, principalmente, dos diferentes conceitos sobre o que é uma complicação.

Uma revisão sistemática com o objetivo de determinar a incidência e  repercussão em termos de função das complicações nas artroplastias reversas, estabeleceu uma classificação de eventos adversos relacionados aos procedimentos cirúrgicos, definiram  “problema” como um evento intra-operatório ou pós-operatório que não afetou funcionalmente o paciente como o “scapular notching”, hematoma, ossificação heterotópica, distrofia, flebite, luxação intra ou pós operatória, extravasamento de cimento ou linhas de radiolucência e as estimou com incidência de 44% . Por sua vez, definiu “complicação”  como um evento no intra ou pós-operatório com repercussão negativa funcional no paciente como infecção, luxação, soltura de componentes, fraturas, problemas com posicionamento dos parafusos, lesão nervosa e as estimou em 24% e re-operações em 3.5% e as revisões em 10%. A maior taxa de complicações foi encontrada nas cirurgias de revisão devido ao procedimento em si, e não, relacionado diretamente ao implante reverso11. O “scapular notching” (Figura2) foi o “problema” mais frequente encontrado, isso provavelmente devido aos tipos de implante (com centro de rotação medializado e os modelos de glenosfera) envolvidos nesse estudo, contudo sua real importância é motivo de grande debate, vários autores consideram um motivo importante para soltura do componente glenoidal, mas um estudo  abrangente Levigne et al, encontraram soltura em apenas um caso, devido ao “ Scapular notching”  progressivo após 114 meses de pós operatório.

Outro evento encontrado com freqüência foram linhas de radiolucência na glenóide que não demonstraram nenhuma repercussão clínica. Observaram também, que a incidência de hematoma é prevalente devido, provavelmente, a presença de espaço morto, hoje para a diminuição de hematoma alguns estudos indicam o uso do ácido tranexâmico 12,13.

A instabilidade pós operatória foi a complicação mais frequente, contudo foi difícil precisar suas causas devido a problemas associados ao desenho dos implantes, e fatores relacionados à técnica cirúrgica, como a tensão das partes moles, assim, não foi possível correlacionar esta complicação  com a via de acesso cirúrgico deltopeitoral ou superior como já havia sido sugerido na literatura.

As taxas de infecção foram significantes nas cirurgias primárias e nas revisões, os fatores associados além de fatores próprios do paciente foram: o espaço morto e as grandes dissecções que ocorrem principalmente nas revisões cirúrgicas.

Hoje se conhece a relação de alguns casos com o agente etológico Propiniumbacterim Acnes, assim, vários protocolos para profilaxia e tratamento são propostos na literatura.

Em relação a soltura dos componentes, principalmente o glenoidal, foi de 2,5% nos modelos Grammont e 11% nos modelos EncoreÒ incluídos no estudo, isso se deve ao modelo da “baseplate“ e a fixação dos parafusos na glenóide, com isso, um dos critérios parra se evitar é a correta avaliação do estoque ósseo da glenóide, a fixação com os parafusos e a posição da glenosfera.

As fraturas periprotéticas do úmero foram na sua maioria distais a haste, ea prevenção deve visar o cuidado e a suavidade ao realizar a fresagem do canal medular e a avaliação correta do tamanho do implante ( Figura 3).

Nos casos de fratura do acrômio, a grande maioria foi tratada de forma conservadora levando a um bom resultado funcional, e deve-se ter como alerta para o diagnóstico a perda de movimento súbita no pós-operatório (Figura 4). As complicações neurológicas também podem acontecer devido a manipulação intra-operatória e ao alongamento do membro causado pelos componentes do implante11.

Outra revisão de 2015, com o intuito de avaliar a relação entre o desenho do implante e as complicações, os autores demonstraram resultados semelhantes a outros estudos encontraram maiores complicações em casos de revisões de implante anatômico para reverso, uma taxa maior de soltura do componente glenoidal nas com centro de rotação lateralizado, mas uma prevalência baixa do ‘ scapular notching”14.

Concluindo, devido aos mais variados cenários clínicos e a  variedade de implantes a disposição, apesar de não existir evidências científicas conclusivas que possam apoiar nossa prática clínica até o momento, o cirurgião deve estar atento as possíveis complicações, relacionadas ao procedimento, os quais são relativamente comuns neste tipo de procedimento, e estão diretamente relacionadas à correta indicação e execução do procedimento, bem como, da necessidade de um bom planejamento pré-operatório.

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